segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A canção do africano - Castro Alves


Lá na úmida senzala, 
Sentado na estreita sala, 
Junto ao braseiro, no chão, 
Entoa o escravo o seu canto, 
E ao cantar correm-lhe em pranto 
Saudades do seu torrão ... 

De um lado, uma negra escrava 
Os olhos no filho crava, 
Que tem no colo a embalar... 
E à meia voz lá responde 
Ao canto, e o filhinho esconde, 
Talvez pra não o escutar! 

"Minha terra é lá bem longe, 
Das bandas de onde o sol vem; 
Esta terra é mais bonita, 
Mas à outra eu quero bem! 

"0 sol faz lá tudo em fogo, 
Faz em brasa toda a areia; 
Ninguém sabe como é belo 
Ver de tarde a papa-ceia! 

"Aquelas terras tão grandes, 
Tão compridas como o mar, 
Com suas poucas palmeiras 
Dão vontade de pensar ... 

"Lá todos vivem felizes, 
Todos dançam no terreiro; 
A gente lá não se vende 
Como aqui, só por dinheiro". 

O escravo calou a fala, 
Porque na úmida sala 
O fogo estava a apagar; 
E a escrava acabou seu canto, 
Pra não acordar com o pranto 
O seu filhinho a sonhar! 

O escravo então foi deitar-se, 
Pois tinha de levantar-se 
Bem antes do sol nascer, 
E se tardasse, coitado, 
Teria de ser surrado, 
Pois bastava escravo ser. 

E a cativa desgraçada 
Deita seu filho, calada, 
E põe-se triste a beijá-lo, 
Talvez temendo que o dono 
Não viesse, em meio do sono, 
De seus braços arrancá-lo! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário